A pesquisadora Thayse Ap. Dourado Hernandes, coordenadora associada da Divisão Agrícola no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) defendeu, no último dia 27, a tese de doutorado “Avaliação da mudança de uso da terra recente associada à dinâmica de expansão da cana-de-açúcar e seus efeitos sobre a disponibilidade dos recursos hídricos” na Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (FEM/UNICAMP), sob orientação do Prof. Dr. Joaquim Seabra.
Em entrevista ao site do CTBE, Hernandes explica que o objetivo principal da tese foi abordar as implicações das Mudanças do Uso da Terra (MUT), associada à expansão da cana-de-açúcar na disponibilidade dos recursos hídricos. A pesquisadora busca avaliar quais os efeitos da cana nesse processo, já que muitos trabalhos indicam uma maior pressão sobre os recursos hídricos advinda da alta taxa de evapotranspiração da cana. “A ideia é obter um esquema de avaliação viável capaz de gerar resultados mais conclusivos”, conta Hernandes que escolheu duas bacias hidrográficas – uma no estado de São Paulo: Monte Mor (MM) e outra no estado de Goiás: Fazenda Monte Alegre (FMA) – em dinâmicas de expansão diferentes, para avaliar os efeitos da MUT sobre a vazão das bacias.
“Resultados que relacionam altas taxas de evapotranspiração da cana como um risco são inconclusivos”, avalia Hernandes (Foto: Divulgação/CTBE)
A pesquisadora revela que houve significativa expansão de área plantada de cana-de-açúcar no Brasil entre os anos de 2003 e 2008, e que essa ampliação suscitou diversas pesquisas questionando os efeitos da expansão da cultura na disponibilidade dos recursos hídricos. Uma revisão de literatura mais aprofundada mostrou, porém, que os resultados que relacionam as altas taxas de evapotranspiração da cana-de-açúcar como um risco são inconclusivos. “O assunto é cercado de incertezas”, pontua.
Confira a íntegra da entrevista com a pesquisadora!
CTBE: Vamos começar entendendo um pouco mais sobre a evapotranspiração. De que forma esse fenômeno impacta o meio ambiente? A cana-de-açúcar “desperdiça” mais água do que outras culturas?
Thayse: A evapotranspiração é a contabilização da evaporação da água do solo e da transpiração das plantas e é especifica para cada cobertura do solo. Neste caso, a evapotranspiração é contabilizada como um componente do balanço hídrico na bacia, para todas as coberturas do solo (cana, pastagem, culturas anuais e permanentes, florestas, mata ciliar e área urbana). No caso das MUT, a evapotranspiração também muda e os estudos anteriores apontavam para uma maior pressão sobre a disponibilidade dos recursos hídricos, já que pastagem e culturas anuais geralmente evapotranspiram menos do que a cana-de-açúcar.
CTBE: Então é esperado que haja redução na vazão com ampliação da cultura canavieira nos limites das bacias?
Thayse: Na verdade não. A cana evapotranspira mais, porém, isso não quer dizer que a vazão irá diminuir. A evapotranspiração é parte importante do ciclo hidrológico, mas esse volume evapotranspirado volta para a bacia ou para os arredores em forma de chuva, por exemplo. É preciso olhar para todos os componentes do balanço hídrico e avaliar os efeitos na disponibilidade real de água nas bacias.
Existem estudos, por exemplo, que avaliaram os efeitos da diminuição da evapotranspiração como um componente importante na queda do volume de chuvas. Estes estudos apontam que a substituição de mata nativa por culturas anuais leva a uma diminuição da evapotranspiração e, consequentemente, a uma diminuição na formação de chuvas.
CTBE: Quando falamos sobre as Mudanças do Uso da Terra (MUT) nos referimos literalmente ao uso que damos a determinado espaço: pastagem e plantações diversas. De que forma se dá a alteração dos processos hidrológicos?
Thayse: Em poucas palavras, a cobertura do solo tem influência sobre os componentes do balanço hídrico, como a evapotranspiração, o escoamento superficial, a infiltração, a percolação em profundidade, entre outros. Deste modo, essas mudanças afetam a quantidade de água que chega no canal principal da bacia e que será escoado na forma de vazão.
CTBE: Segundo o resumo de sua tese, espera-se que a expansão da cana-de-açúcar diminua a intensidade do uso da água ao substituir as culturas anuais, laranjais e pastagens. Por quê? A cana utiliza menos o solo e seus recursos do que outras culturas?
Thayse: Isso está relacionado ao que chamamos de pegada hídrica, que é o indicador que utilizamos. A pegada hídrica, neste caso, representa a quantidade/volume de água utilizada pela cultura para produzir 1 tonelada de colmos (cana), biomassa (pastagem), frutos (laranja) ou grãos (soja e milho). O que foi dito é que a cana é quem utiliza menos água para produzir 1 tonelada de colmo.
CTBE: Qual a diferença entre vazão e vazão de referência?
Thayse: Vazão é uma medida do fluxo de água que passa pela seção transversal no exutório de uma bacia. Esse valor muda diariamente, de acordo com a chuva, o balanço hídrico e processos hidrológicos governantes naquela bacia. Ao longo do tempo, podemos fazer vários registros de valores de vazão na bacia. A curva de permanência de uma bacia é a distribuição percentual dessas vazões ao longo do tempo.
A ANA não utiliza a vazão média na avaliação de outorgas, e sim a vazão Q90 da curva de permanência, que corresponde ao valor cuja vazão na bacia é maior ou igual durante 90% do período considerado. Por exemplo: se o Q90 é de 10 metros cúbicos por segundo, isso quer dizer que durante toda a avaliação da vazão na bacia, em 90% do tempo os valores de vazão foram maiores ou iguais a 10 metros cúbicos por segundo.
CTBE: Como a cana pode ajudar a regular o aumento da vazão das bacias (maior fluxo em tempos de seca, menor em tempos de chuva)? De que forma a cana pode favorecer (aumentar) a disponibilidade de água de uma região?
Thayse: São resultados diretos das simulações. Ao aumentar a porcentagem de cana nas bacias avaliadas, houve um aumento nas vazões de estiagem e uma diminuição das vazões de pico. Isso quer dizer que durante o ano, a disponibilidade de água aumenta devido ao aumento nas vazões de estiagem, e que o risco de enchentes diminui, em razão da diminuição das vazões de pico. Além disso, o aumento da cana também leva a um aumento no Q90, que é a vazão de referência utilizada pela Agência Nacional de Águas (ANA) para balizar outorgas de uso da água nas bacias. Neste caso, é essencial frisar que as áreas com mata ciliar e fragmentos de mata nativa permaneceram intactas nas bacias avaliadas.