Por Guilherme Sanches
É fato que a agricultura de precisão (AP) desperta cada dia mais o interesse dos diversos segmentos do agronegócio. Caracterizada como um pacote tecnológico, a AP inclui diversas tecnologias e ferramentas que buscam determinar a variabilidade espacial presente nas lavouras para extrair o máximo rendimento destas. Não só busca otimizar os recursos para obter maiores lucratividades, mas também busca respeitar o meio ambiente pela utilização racional de insumos. No cenário mundial atual onde os recursos estão cada vez mais escassos e a poluição ambiental é preocupante, falar em agricultura de precisão é fundamental. Somado a isso, as metas ratificadas pelo governo brasileiro e outras nações ao redor do mundo na Conferência das Partes sobre mudanças do Clima (COP-21) fazem da agricultura de precisão um dos elementos chave para o sucesso das ambiciosas, porem necessárias, metas. Produzir mais com menos, respeitando o meio ambiente, deverá ser o lema do agronegócio brasileiro. No entanto, quando falamos de Brasil e do nosso setor sucroenergético dentro do contexto da agricultura de precisão surge a questão: onde estamos? Quais são as iniciativas e os avanços técnico-científicos que o Brasil tem feito neste sentido?
Dando um breve histórico, a preocupação com variabilidade espacial presente nas lavouras não é recente. O primeiro trabalho cientifico que relata esta preocupação é de 1929, publicado por Linsley e Bauer, com recomendações de testes da acidez do solo para aplicação de calcário. Contudo, o termo “Agricultura de Precisão” foi criado somente na década de 1990. Já no Brasil a Agricultura de Precisão começou a ganhar peso apenas no início do segundo milênio, especificamente em 2001, quando foram apresentadas as primeiras máquinas comerciais de aplicação de adubos à taxa variável. De lá para cá, a AP se intensificou cada vez mais, surgindo novas variantes como agricultura digital, agricultura inteligente, agricultura 4.0 e por aí vai.
Retirando uma pequena amostra (N= 233) de trabalhos técnico-científicos publicados mundialmente em revistas de alto impacto na temática de AP desde 2012, data em que foi criada a Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão (CBAP) junto ao MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), é visível o avanço e interesse do Brasil a respeito do assunto. Nossa posição é nada menos do que a 4ª, ficando apenas atrás de Estados Unidos (EUA), Espanha (ESP) e China (CHN) (Figura 1).
Figura 1. Números de trabalhos técnicos-científicos publicados por país desde 2012 na temática de Agricultura de Precisão. Fonte: Núcleo de Pesquisa Agricultura de Precisão CTBE/CNPEM.
Apesar de motivador, uma pesquisa de mercado realizada em 2013 pela Kleffmann Group revela que, ainda, o agronegócio brasileiro precisa colocar na prática aquilo que está dentro das academias e dos institutos de pesquisa no que diz respeito a AP. De 992 produtores entrevistados, principalmente do setor de grãos, apenas 45% afirmaram que utilizam alguma técnica relacionada à agricultura de precisão (Figura 2). Destes, que afirmaram usar AP, a maioria realiza o mapeamento da fertilidade do solo. A maneira como realizam o mapeamento da fertilidade do solo fica quase empatada entre à nível de talhão (43%) ou grid (57%). No geral, esses números revelam que, apenas, cerca de 15% da agricultura brasileira utilizam técnicas de amostragem de solo para mapeamento da fertilidade. É fato que ainda estamos muito longe do que gostaríamos. Hoje esses números já devem ter sofrido alterações, mas essa pesquisa de 2013 é a mais recente que se conhece do mercado brasileiro. Precisamos de novos números para saber onde estamos e, assim, alavancar investimentos no setor, além de novas atitudes para inserirmos a essência da AP nas lavouras brasileiras. Um importante passo para isso foi a criação da Associação Brasileira de Agricultura de Precisão (AsBrAP), em maio de 2017, tendo como um dos objetivos incentivar e divulgar a importância da agricultura de precisão para a sustentabilidade das produções agrícolas.
Figura 2. Resultados da pesquisa divulgada pela Kleffmann Group realizada em 2013 no mercado brasileiro.
Quando entramos especificamente no setor sucroenergético brasileiro, movido principalmente pela cana-de-açúcar e seus derivados, os números precisam nos fazer parar e refletir. Da amostra de trabalhos técnico-científicos apresentada anteriormente, as culturas onde as pesquisas em AP (à nível mundial) concentram força são principalmente para o trigo (1º) e milho (2º) (Figura 3). Já a cana-de-açúcar se localiza na 14ª posição, empatada com cevada e oliva. Este retrato nos revela o porquê de as culturas de grãos estarem mais tecnificadas. Os ganhos relativos de produtividade destas lavouras nos últimos anos ultrapassam facilmente a cultura de cana-de-açúcar, que por sua vez se encontra estagnada. A produtividade agrícola da cana-de-açúcar sofreu reduções significativas nos últimos anos, principalmente devido à adoção da mecanização, desde o plantio até a colheita. Mudanças neste cenário de estagnação são facilmente percebidas pelos grupos que adotam expressivamente as tecnologias de piloto automático em todas as operações agrícolas, onde os ganhos em produtividade estão em torno de 8% a 10%, sem falar dos benefícios de redução de manobras e consumo de diesel. Mas sabemos que a agricultura de precisão pode alavancar ainda mais esses números. As tecnologias disponíveis não só permitem aumentar a produtividade, mas principalmente racionalizar os insumos. Somos carentes de números e resultados práticos que comprovem a verdadeira eficácia (econômica e ambiental) da adoção destas tecnologias no setor sucroenergético brasileiro.
Quando falamos de agricultura de precisão estamos intrinsicamente falando de inovação. Neste contexto o retrato revelado aqui não está longe do contexto brasileiro de inovação. Dados de 2015 revelam que o Brasil se encontra em 13º colocado no ranking de publicações científicas à nível mundial. No entanto, quando procuramos olhar pela ótica da inovação estamos apenas na 70ª posição. Estes números mostram o enorme “vale” que existe para que a ciência básica (feitas nas universidades e institutos de pesquisa) atinja a inovação e, consequentemente, chegue ao setor produtivo para gerar riqueza à nação. Na AP estamos neste mesmo dilema. Estamos conseguindo avançar em pesquisas, porém as mesmas não estão chegando aonde de fato precisam e deveriam chegar, isto é, no setor produtivo. Somado a isso, a cada dia fica mais difícil avançar nas pesquisas para gerar inovação no Brasil. Prova disso são os enormes cortes que o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) vem sofrendo. O último corte atingiu os expressivos 40%. Uma luz no fundo do túnel para alavancarmos o setor e as inovações necessárias poderá ser o RenovaBio. Sem dúvida esta reforma política de biocombustíveis permitirá impulsionar a demanda por combustíveis mais limpos, acelerando nosso crescimento.
Figura 3. Números de trabalhos técnicos-científicos publicados por cultura desde 2012 na temática de Agricultura de Precisão. Fonte: Núcleo de Pesquisa Agricultura de Precisão CTBE/CNPEM
Portanto, o fato é que para as metas do acordo de Paris serem alcançadas precisamos avançar. Estimativas apontam que a produção brasileira de cana-de-açúcar precisará sofrer um acréscimo de ≈43% até 2030. Para isso não há sombra de dúvidas que parcerias entre instituições de pesquisa e o setor produtivo deverão ser cada vez maiores. Sem verba para pesquisa não se faz ciência, sem ciência não se faz inovação e sem inovação não há crescimento. Apesar de crítico, o cenário atual deve nos motivar a caminhar em frente e tornar o agronegócio brasileiro uma potência cada vez maior. Agricultura de Precisão é um caminho sem volta que permitirá produzir mais com menos. Aqueles que se atentarem mais rapidamente para esse fato tornarão seus negócios mais lucrativos e sustentáveis. Este é o momento da Agricultura de Precisão. Estudar a variabilidade espacial e temporal das lavouras para maximizar a produção e minimizar os impactos ambientais é o caminho!
Sobre o autor
Guilherme Martineli Sanches é graduado e mestre em Engenharia Agrícola pela Faculdade de Engenharia Agrícola (FEAGRI/UNICAMP) e especialista em Análise de Dados pela Faculdade de Engenharia Química (FEQ/UNICAMP). Atualmente é Líder do Núcleo de Pesquisa em Agricultura de Precisão do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) pertencente ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
Sobre o CTBE
O Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social qualificada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O CTBE desenvolve pesquisa e inovação de nível internacional na área de biomassa voltada à produção de energia, em especial do etanol de cana-de-açúcar. O Laboratório possui um ambiente singular no País para o escalonamento de tecnologias, visando a transferência de processos da bancada científica para o setor produtivo, no qual se destaca a Planta Piloto para Desenvolvimento de Processos (PPDP).
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização social qualificada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Localizado em Campinas-SP, possui quatro laboratórios referências mundiais e abertos à comunidade científica e empresarial. O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) opera a única fonte de luz Síncrotron da América Latina e está, nesse momento, construindo Sirius, o novo acelerador brasileiro, de quarta geração, para análise dos mais diversos tipos de materiais, orgânicos e inorgânicos; o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) desenvolve pesquisas em áreas de fronteira da Biociência, com foco em biotecnologia e fármacos; o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia de Bioetanol (CTBE) investiga novas tecnologias para a produção de etanol celulósico; e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) realiza pesquisas com materiais avançados, com grande potencial econômico para o país.