Avaliar a sustentabilidade da cadeia produtiva dos biocombustíveis, dentre eles o etanol de cana-de-açúcar, demanda um esforço considerável de pesquisadores de distintas áreas. Inúmeros aspectos estão envolvidos na análise, como emissões de gases de efeito estufa e impactos socioeconômicos no processo de produção do biocombustível.
Com o intuito de discutir e validar estudos realizados nessa área, o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) promoveu, nos dias 12 e 13 de dezembro, um workshop de avaliação do seu Programa de Sustentabilidade. Pesquisas em sete áreas temáticas foram analisadas: emissões de gases de efeito estufa, impactos socioeconômicos, mudanças no uso da terra, impactos sobre os recursos hídricos, banco de dados, análise integrada da sustentabilidade e impactos sobre a biodiversidade.
Um dos destaques apresentados foi o estudo que relaciona a produção de etanol a aspectos sociais. Pesquisadores do CTBE compararam indicadores de qualidade de vida – que incluem IDH, renda, distribuição de renda, alfabetização, mortalidade infantil e acesso à infraestrutura (eletricidade e saneamento) – de municípios de portes semelhantes, com e sem atividade canavieira. Integraram a análise cidades de cinco estados brasileiros: São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Alagoas e Pernambuco. O estudo contemplou dados censitários de 1970, 1980, 1991 e 2000. Números de 2010 integrarão a pesquisa assim que o IBGE publicar o resultado final.
A conclusão é que em São Paulo os municípios canavieiros têm, em média, melhores indicadores de qualidade de vida em todos os períodos analisados. Nos demais estados, tal vantagem é menor. A atividade canavieira paulista é antiga, bem organizada e desenvolvida, o que poderia explicar esse resultado. “A cana entrou em municípios paulistas que já tinham bons indicadores, por causa de atividades como a cultura do café, por exemplo”, explica Arnaldo Walter, diretor do Programa de Sustentabilidade do CTBE.
Outra constatação é que as diferenças entre os indicadores de municípios canavieiros e não canavieiros era maior em 1970 e diminuiu gradativamente até 2000. Walter credita essa redução às políticas públicas mais disseminadas, e à melhoria do acesso da população à eletricidade, saneamento básico e demais infraestruturas.
Também merece destaque o trabalho desenvolvido em parceria com o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE) sobre mudança no uso da terra. Os cientistas incorporaram uma série de melhorias ao Brazilian Land Use Model (BLUM), acrescentando módulos ligados ao desenvolvimento de novas tecnologias, como a produção de etanol a partir do bagaço e palha da cana e à expansão da geração de eletricidade nas usinas.
A partir do ano que vem, esse modelo melhorado será utilizado para simular mudanças que podem ocorrer no uso da terra, levando em conta previsões de aumento na produção de cana e etanol nos próximos anos e de introdução de novas tecnologias no setor, além de cenários restritivos ao plantio de cana devido a fatores como preservação da biodiversidade.
O workshop do CTBE contou ainda com a fala de André Faaij, parceiro do CTBE e pesquisador de Análise de Sistemas Energéticos da Universidade de Utrecht, na Holanda, sobre a perspectiva europeia na área de biocombustíveis. Segundo o pesquisador, o continente vive a dicotomia entre a demanda dos governos pelo uso dos combustíveis “verdes” para reduzir os efeitos das mudanças climáticas e campanhas de mídia promovidas por organizações não governamentais que tentam mostrar os biocombustíveis como uma alternativa prejudicial ao balanço de gases de efeito estufa, à segurança alimentar e ao futuro de pequenos agricultores. Esse debate tem gerado avanços nos estudos agrícolas. “A preocupação com a sustentabilidade dos biocombustíveis fez com que voltássemos nossa atenção para a agricultura de maneira geral, em questões ligadas à certificação e à melhoria do manejo de diversas culturas”, explica Faaij.
A avaliação do Programa de Sustentabilidade foi feita por pesquisadores brasileiros e dois estrangeiros (do Oak Ridge National Laboratory, dos EUA, e do Joint Research Centre, da Comissão Européia).