Cenário elaborado pela equipe do Projeto SUCRE indica que a bioeletricidade da cana pode suprir com folga toda a demanda residencial e ainda reduzir até 15% das emissões de gases de efeito estufa do setor energético brasileiro
Segundo dados do Sistema de Registro Nacional de Emissões (SIRENE), até 2015, efetivamente, o Brasil reduziu em 50% as emissões totais de gases de efeito estufa quando comparados aos níveis de 2005. Isso significa que o País estaria em situação de cumprimento das metas previstas no Acordo de Paris, de diminuir as emissões de gases de efeito estufa em 37% e 43% até os anos de 2025 e 2030, respectivamente, tendo como ponto de partida as emissões de 2005. Entretanto, houve um aumento de 42% das emissões no setor energético brasileiro, nesse mesmo período, ainda de acordo com o SIRENE. Em razão desse aumento e de uma tendência de crescimento das demandas futuras de energia, a bioeletricidade da cana-de-açúcar teria papel indispensável, considerando os diversos benefícios ambientais e o elevado potencial dessa fonte de energia, em especial considerando a palha como complemento ao bagaço na geração.
Gráfico das emissões de gases de efeito estufa do setor energético brasileiro | Fonte: SIRENE (MCTIC, 2017)
“A eletricidade gerada a partir da biomassa da cana-de-açúcar compõe, junto de outras fontes, o setor elétrico brasileiro, que por sua vez é apenas uma parte do setor energético. Mesmo assim, a bioeletricidade da cana tem enorme potencial de mitigação de gases de efeito estufa”, explica a mestra em engenharia agrícola e integrante do Projeto SUCRE Nariê Rinke Dias de Souza. Cenários elaborados pela equipe do Projeto sugerem que, em um contexto de expansão de área prevista pelo RenovaBio, de 3 milhões de hectares de cana, com 50% de recolhimento de palha e cogeração otimizada, a biomassa da cana-de-açúcar poderia reduzir 15% das emissões de gases de efeito estufa do setor energético brasileiro, visto que tem potencial de suprir com folga toda a demanda residencial de eletricidade no Brasil. Como um programa dedicado aos biocombustíveis, que busca auxiliar o Brasil no cumprimento das metas assumidas no Acordo de Paris, o RenovaBio deverá naturalmente estimular a geração de eletricidade a partir da biomassa, já que se trata de uma forma de melhorar o desempenho ambiental do etanol e gerar mais CBios por m3 de etanol.
Em 2017, a geração de eletricidade a partir da cana foi responsável pela mitigação de 2% das emissões do setor energético, segundo levantamento do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), no âmbito do SUCRE, a partir de dados do Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e da União da Indústria de Cana-de-açúcar (UNICA). Considerando a bioeletricidade em substituição parcial da potência instalada prevista para o gás natural, somados a 50% de recolhimento de palha, um potencial otimizado do bagaço, em um cenário sem expansão de área, poderiam ser gerados mais de 100 TWh de eletricidade que supririam 80% da demanda residencial brasileira com mitigação de 11,4% das emissões do setor energético, como demonstram projeções do Projeto SUCRE.
Cenários de substituição de gás natural por bioeletricidade | ||||
Bioletricidade (TWh/ano) | Área adicional (Mha) | Emissões evitadas de GEE (MtCO2eq/ano) | Mitigação setor energético (%) | |
Cenário 1¹ | 106,5 | Sem expansão | 51,3 | 11,4 |
Cenário 2¹, ² | 143,1 | 3,0 | 68,9 | 15,3 |
1Considera 50% de recolhimento de palha + potencial otimizado de bagaço2
2Cenário de expansão de 3 milhões de hectares de cana-de-açúcar, previsto pelo RenovaBio
Cenários da bioeletricidade da cana-de-açúcar elaborados pela equipe do Projeto SUCRE a partir de dados da CONAB (2018), UNICA (2018), EPE (2018), ANEEL (2018), MME (2018), SIRENE (MCTIC, 2018) e CTC (2015).
Dados cadastrados na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de 2018, com relação a potência instalada prevista de curto e médio prazo, indicam que enquanto as unidades geradoras de energia a partir do bagaço da cana correspondem à 1,8% das térmicas previstas na matriz energética brasileira, as de gás natural são 80%. Essa previsão é relativa a usinas em construção com outorga, construção não iniciada, Despachos de Registro de Recebimento de Requerimento de Outorga (DRO) e pré-cadastro. Frente a fontes fósseis como o gás natural, a bioeletricidade gera atualmente um crédito de 482 gramas de CO2 equivalente a cada kWh produzido. Enquanto a emissão de gases de efeito estufa do gás natural é de 551 g CO2 eq, a da biomassa de cana é de 69 g CO2 eq.
Longe do Centro-Sul, polo consumidor energético do País, a região Nordeste será sede de 49% da potência instalada prevista de unidades a gás natural e também de grande parte das fontes fotovoltaica e eólica cadastradas na Aneel. Conforme alerta Nariê, existem perdas de transmissão quanto maior a distância entre a geração de energia e seu local de consumo.
Fontes | Potência instalada atual (GW) | Região com maior representação | Potência instalada prevista (GW) | Região com maior representação |
Gás Natural | 12,0 | SE | 48,6 | NE |
Fotovoltaica | 1,8 | NE | 33,2 | NE |
Eólica | 13,9 | NE | 7,1 | NE |
Bagaço | 11,3 | SE | 1,1 | SE |
Tabela de potências instaladas atuais e potências instaladas previstas com as respectivas regiões de maior representatividade por fonte de energia | Fonte: SIGEL (ANEEL, 2018)
Além de estar próxima aos maiores centros consumidores de eletricidade – 92% das usinas de cana-de-açúcar estão concentradas no Centro-Sul do País –, a bioeletricidade gerada a partir da cana coincide com o período de estiagem. “No período de seca, de abril a setembro, é quando justamente a cana está em seu ápice para ser colhida na safra, havendo disponibilidade de biomassa para geração de energia”, destacou. Outro aspecto positivo da energia gerada a partir da biomassa da cana, é que depende de uma infraestrutura que em grande parte já é existente. Trata-se de um setor consolidado. As usinas de cana-de-açúcar também são capazes de operar na entressafra, de dezembro a março, com estoque de biomassa, tornando a geração ininterrupta, diferente de fontes como a eólica e a fotovoltaica, utilizadas na geração distribuída, que são intermitentes e não despacháveis.
Sobre o Projeto SUCRE
O Projeto SUCRE (Sugarcane Renewable Electricity) tem como objetivo principal aumentar a produção de eletricidade com baixa emissão de gases de efeito estufa (GEE) na indústria de cana-de-açúcar, por meio da palha gerada durante a colheita da cultura. Para tanto, a equipe trabalha na identificação e solução dos problemas que impedem as usinas parceiras de gerarem eletricidade de forma plena e sistemática. Com início em junho de 2015, serão ao todo cinco anos de projeto e um investimento de cerca de US$ 67,5 milhões, sendo US$ 55,8 milhões a parcela estimada de investimentos pelas usinas (grande parte já realizada com a instalação de estações de limpeza a seco, reforma ou compra de caldeiras, turbogeradores, enfardadoras e outros equipamentos). A iniciativa é financiada pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, da sigla em inglês para Global Environment Faciliy), gerida em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e implementada pelo Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), que integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
Sobre o LNBR
O Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR) integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social qualificada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTIC). O LNBR emprega a biomassa e a biodiversidade brasileiras para resolver desafios relevantes para o País por meio de soluções biotecnológicas que promovam o desenvolvimento sustentável de biocombustíveis avançados, bioquímicos e biomateriais. O Laboratório possui diversas Instalações Abertas a Usuários, incluindo a Planta Piloto para Desenvolvimento de Processos, estrutura singular no país para escalonamento de tecnologias.
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Localizado em Campinas-SP, gerencia quatro Laboratórios Nacionais – referências mundiais e abertos às comunidades científica e empresarial. O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) opera a única fonte de luz síncrotron da América Latina e está, nesse momento, finalizando a montagem do Sirius, o novo acelerador de elétrons brasileiro; o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio)atua na área de biotecnologia com foco na descoberta e desenvolvimento de novos fármacos; o Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR) pesquisa soluções biotecnológicas para o desenvolvimento sustentável de biocombustíveis avançados, bioquímicos e biomateriais, empregando a biomassa e a biodiversidade brasileira; e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) realiza pesquisas científicas e desenvolvimentos tecnológicos em busca de soluções baseadas em nanotecnologia.
Os quatro Laboratórios têm, ainda, projetos próprios de pesquisa e participam da agenda transversal de investigação coordenada pelo CNPEM, que articula instalações e competências científicas em torno de temas estratégicos.