Descoberta abre caminho para desenvolvimento de fungicidas biológicos como alternativa aos agrotóxicos usados no combate da “Podridão Abacaxi”, uma das pragas mais frequentes nos canaviais
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) acabam de publicar um artigo na revista Enviromental Microbiology que revela pela primeira vez mecanismos moleculares capazes de inibir o crescimento e até causar a morte do fungo Thielaviopsis ethacetica, causador da doença frequente em canaviais conhecida como “Podridão Abacaxi”. O estudo é promissor para o desenvolvimento de fungicidas biológicos como alternativa aos agroquímicos.
A “Podridão Abacaxi” é uma doença que afeta diversas culturas tropicais ao redor do mundo, mas no Brasil impacta de modo particular a produtividade do setor sucroalcooleiro.
O fungo é capaz de impedir a germinação de mudas ou retardar seu desenvolvimento, deixando as áreas afetadas com grandes falhas. O microorganismo costuma penetrar no caule das plantas através dos cortes ou ferimentos provocados durante o plantio ou colheita mecanizada. A incidência da doença tem aumentado nos últimos anos e já está entre as cinco pragas mais frequentes da cultura de cana-de-açúcar.
À medida que o fungo se reproduz no interior da planta, as fibras do caule vão apresentando uma coloração inicial avermelhada, que vai aos poucos se tornando cada vez mais escura e coberta de esporos. O nome da doença se deve ao principal sintoma da fermentação gerada pelo fungo, o odor característico semelhante ao de essência de abacaxi.
Agricultura sustentável
Há diversas técnicas de manejo que contribuem para a prevenção da doença. Desde a seleção criteriosa de mudas, cuidados na preparação do solo e até a observação das melhores condições de solo, temperatura e umidade. No entanto, a estratégia mais frequente costuma ser o uso de fungicidas químicos, recurso que depende de insumos importados e pode causar riscos para a saúde e meio ambiente.
A demanda por práticas agrícolas mais sustentáveis motivou a pesquisa biotecnológica na busca por alternativas biológicas ao uso de agroquímicos e mobilizou recursos e expertises de três laboratórios do CNPEM, contando com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
A pesquisa
A pesquisadora Juliana Velasco conta que a pesquisa foi iniciada com a consulta ao banco de microrganismos do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), que tem um acervo com cerca de 7 mil bactérias coletadas em diversas regiões do Brasil. “Esses microrganismos foram isolados, tanto do solo quanto de raízes de culturas agrícolas. Setenta delas foram submetidas a ensaios in vitro para avaliar a capacidade de inibir o crescimento do fungo”, explica.
As três bactérias com melhores resultados foram selecionadas para análises mais aprofundadas, em que foram identificados os compostos bioativos responsáveis pela inibição. Essas bactérias impediram em até 80% o crescimento micelar do fitopatógeno, e por sequenciamento genético verificou-se que pertencem ao gênero Pseudomonas. Quando as moléculas bioativas identificadas foram testadas em diferentes concentrações, foi observada uma inibição total do crescimento e morte do fungo.
“Os dados de transcrição gênica desse fitopatógeno mostraram que quando ele estava em contato com essas moléculas, expressava alguns genes de reparo ao DNA, um indício de que, direta ou indiretamente, os bioativos poderiam estar causando este dano”, detalha a pesquisadora.
No Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), responsável pela operação do Sirius, fonte de luz síncrotron de última geração, análises por espectroscopia confirmaram que a interação com as biomoléculas selecionadas foi capaz de produzir danos ao DNA do fitopatógeno.
As técnicas de pesquisa de alta sensibilidade com uso de infravermelho disponíveis na estação Imbúia foram fundamentais para revelar, com precisão, a “impressão digital” das biomoléculas que atuam sobre o fungo.
“Essa ferramenta é muito importante para abordar diversos desafios similares da agricultura. Devido à alta sensibilidade da técnica é possível detectar interações moleculares mesmo em microorganismos complexos como fungos”, explica o pesquisador Francisco Maia.
Em adição, no Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) foram utilizados recursos de microscopia de transmissão e escaneamento que revelaram severas alterações morfológicas nos micélios, conjuntos de filamentos (hifas) do fungo responsáveis pela sustentação e absorção de nutrientes.
À esquerda, vemos o fungo controle, não tratado, com uma estrutura celular preservada, com várias organelas no seu interior (Núcleo=N, citoplasma=C, parede celular e membrana=PC + M). À direita, vemos o interior da célula totalmente degradado, sem organelas e com o desprendimento da membrana da parede celular, culminando na morte do fungo
“Usando abordagens bastante sofisticadas, o grupo descobriu bactérias e moléculas bioativas que, nesse estágio da pesquisa, revelaram potencial para serem levadas para a indústria e usadas no setor agrícola”, resume a pesquisadora Juliana Velasco.
Sobre o CNPEM
Ambiente sofisticado e efervescente de pesquisa e desenvolvimento, único no Brasil e presente em poucos centros científicos do mundo, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização privada sem fins lucrativos, sob a supervisão do Ministério da Ciência do Brasil. , Tecnologia e Inovações (MCTI). O Centro opera quatro Laboratórios Nacionais e é o berço do projeto mais complexo da ciência brasileira – Sirius – uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo. O CNPEM reúne equipes multitemáticas altamente especializadas, infraestruturas laboratoriais globalmente competitivas e abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores em parceria com o setor produtivo e formação de investigadores e estudantes. O Centro é um ambiente impulsionado pela pesquisa de soluções com impacto nas áreas de Agricultura, Saúde, Energia, Ambiente, Novos Materiais, entre outras.
As competências únicas e complementares presentes no CNPEM incentivam a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) nas áreas de luz síncrotron; engenharia de aceleradores; descoberta de medicamentos, inclusive de espécies vegetais da biodiversidade brasileira; mecanismos moleculares envolvidos no aparecimento e progressão do câncer, doenças cardíacas e neurodesenvolvimento; nanopartículas funcionalizadas para combater bactérias, vírus, câncer; novos sensores e dispositivos nanoestruturados para os setores de petróleo e gás, saúde e agricultura e meio ambiente; soluções biotecnológicas para o desenvolvimento sustentável de biocombustíveis avançados, bioquímicos e biomateriais; e mecanismos moleculares e de microescala de movimento de água e nutrientes em solos.
A partir de 2022, com o apoio do Ministério da Educação (MEC), o CNPEM expandiu suas atividades com a abertura da Ilum Escola de Ciência. O curso superior interdisciplinar em Ciência, Tecnologia e Inovação adota propostas inovadoras com o objetivo de oferecer formação de excelência, em período integral, gratuito e com imersão no ambiente de pesquisa do CNPEM.
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