Erik Nardini
Há uma preocupação em se manter os canaviais produtivos por mais tempo. Atualmente, a cultura da cana-de-açúcar tem “vida útil” média de 3,6 safras no centro-sul do Brasil, podendo se estender por vários anos, mediante ao bom manejo, antes de o solo passar por uma espécie de renovação. Para que o solo consiga suportar esse processo os agricultores recorrem à aplicação de herbicidas e adubos, mas há algum tempo outros métodos de cuidado com o campo têm sido estudados.
Um deles, realizado por pesquisadores do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), procura encontrar o equilíbrio da quantidade e qual parte de palha, , que deve ser mantido sobre o solo e quanto pode ser seguramente removido para produção de bioenergia.
O estudo Comprehensive assessment of sugarcane straw: implications for biomass and bioenergy production, publicado recentemente no periódico Biofuels, Bioproducts & Biorefining – Biofpr, apresenta resultados de pesquisas realizadas em três cortes de quatro variedades de cana em sete regiões brasileiras.
Segundo Lauren Maine Santos Menandro, Engenheira Agrônoma no CTBE e principal autora do artigo, a composição de ponteiros [topos verdes] e folhas secas se diferem muito entre si, e estas diferenças se sobrepõem às existentes entre variedades, tipos de solo e idades do canavial. “As folhas secas representam 60% da palha (massa seca), no entanto, os ponteiros contêm cerca de 70% do teor total de Nitrogênio (N), Fósforo (P) e Potássio (K)”, explica.
Topos verdes e folhas secas no solo após colheita de cana: estudo busca compreender usos e proporções
A pesquisadora conta que para a realização do trabalho foram coletadas 468 amostras em canaviais localizados na região centro-sul do Brasil. Segundo a autora, foi possível observar uma relação média de palha / colmo de 12% (120 kg de massa seca de palha por tonelada de colmo fresco).
“Esse dado pode ser utilizado para estimar a produção de palha nos canaviais do centro-sul do Brasil”, avalia Menandro. A exceção ficou por conta do resultado obtido em canaviais mais velhos (5º corte), que mostrou uma relação de produção de palha um pouco inferior, da ordem de 10%.
Lugar de ponteiro é no campo
O artigo mostra que os ponteiros de cana, ricos em N, P e K, são capazes de reciclar até quatro vezes mais esses nutrientes em relação às folhas secas. “Além disto, os ponteiros devem ser evitados na indústria, pois apresentam umidade mais elevada (68% contra 11% das folhas secas) e também altos teores de cloro (10 vezes mais que as folhas secas), características indesejáveis no processo de produção de bioeletricidade e etanol 2G. Isso significa que, quando processados na indústria, acabam prejudicando a eficiência das caldeiras, reduzindo a vida útil dos equipamentos e aumentando o custo total de produção”, acrescenta Menandro.
Por outro lado, explica a autora, as folhas secas apresentam ótimo rendimento na cogeração de eletricidade e na produção de etanol 2G em razão de maiores concentrações de celulose, lignina, e hemiceluloses, além de alto poder calorífico. Outros detalhes do projeto foram abordados na página do Projeto SUCRE e podem ser lidos aqui.
Quantidade de resíduo a ser mantido no solo: generalizações devem ser evitadas
Questionada sobre a quantidade ideal de resíduos a serem deixados no campo, Menandro diz que não existe valor fixo para a quantidade de ponteiros e folhas secas que deve permanecer no campo.
Com base na literatura científica, Menandro e outros pesquisadores do CTBE, verificaram que os benefícios agronômicos e ambientais estão em equilíbrio quando são mantidos, no mínimo, sete toneladas de massa seca de palha por hectare na superfície do solo por ano.
SETE TONELADAS POR HECTARE? VEJA DETALHES NA REPORTAGEM
No entanto, relembra Menandro, “os trabalhos vêm mostrando que uma recomendação padrão da quantidade de palha a ser mantida no campo deve ser evitada, já que as condições de clima e solo dos canaviais são muito distintas e as respostas à remoção da palha também serão”, analisa. “Solos sob diferentes condições edafoclimáticas necessitam de quantidades distintas de palha para manter a sustentabilidade do sistema”.
Métodos de colheita devem ser constantemente aperfeiçoados
Quando a remoção da palha for necessária e viável economicamente, Menandro destaca que “os ponteiros devem ser preferencialmente mantidos no campo e as folhas secas removidas (parcial ou totalmente) para indústria”.
O grande gargalo para o melhor aproveitamento destes resíduos está na colheita, principalmente da cana ‘tombada’, situação em que não é possível utilizar o ‘despontador’ para separar os ponteiros. “Nenhuma colhedora hoje tem um sistema capaz de separar efetivamente os ponteiros das folhas secas no campo”, conta Menandro. “O ideal seria separar, distribuir os ponteiros no campo e mandar parte das folhas secas para usina”, explica.
CONHEÇA OUTRAS ROTAS DE COLHEITA
Conforme Menandro, o intuito da pesquisa é mostrar que ao separar ponteiros e folhas secas é possível oferecer matéria-prima de melhor qualidade para produção de bioenergia (folhas secas), sem perder os benefícios da palha no campo e prejudicar o canavial (manutenção dos ponteiros)
“Nossos resultados oferecem oportunidades para o setor sucroenergético. As colhedoras que evoluírem neste sentido – melhorar separação de resíduos na colheita – estarão um passo à frente em desenvolvimento, impactando do setor agrícola ao industrial. Nós do CTBE já estamos de olho nisto e estamos buscando parcerias para que isso se torne realidade para o setor”, conclui a pesquisadora.
Sobre o CTBE
O Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O CTBE desenvolve pesquisa e inovação de nível internacional na área de biomassa voltada à produção de energia, biocombustíveis e bioprodutos. O Laboratório possui um ambiente singular no País para o escalonamento de tecnologias, visando a transferência de processos da bancada científica para o setor produtivo, no qual se destaca a Planta Piloto para Desenvolvimento de Processos.