Estudos sobre a cana-de-açúcar nas últimas décadas estiveram focados, principalmente, no melhoramento genético das variedades comerciais da planta, que as tornaram mais produtivas e resistentes a estresses bióticos (pragas e doenças) e abióticos (seca). Apesar das melhorias em relação ao rendimento da cultura, os números ainda estão longe do potencial teórico de produtividade da espécie que, segundo pesquisadores da área, é de 381 toneladas por hectare. O “II Workshop on Sugarcane Phisiology for Agronomic Applications”, promovido pelo Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) em Campinas-SP, no final de outubro, trouxe especialistas de várias partes do mundo para mostrar o que pode ser feito para tornar o manejo agrícola da cana mais eficiente.
O primeiro dia de evento foi dedicado a palestras de especialistas em fisiologia da cana-de-açúcar em condições de campo e a interação entre a planta e o ambiente. Um dos assuntos mais discutidos na área atualmente é a irrigação nos canaviais. Há tempos se comenta que um dos diferenciais do Brasil no cultivo da planta é a elevada produtividade de biomassa sem a necessidade de irrigação, diferentemente do que ocorre em outros países produtores, como a Austrália. Contudo, o pesquisador Rubens Duarte Coelho, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP), mostrou em sua palestra que esse conceito pode estar defasado, principalmente com a eminente expansão da cultura para regiões do cerrado brasileiro. “O uso de irrigação pode dobrar a produtividade de cana em regiões com déficit hídrico severo”, comenta Coelho.
Ao ser questionado sobre que tipo de pesquisa traria mais benefícios à cultura nos dias atuais, plantas transgênicas ou irrigação, Coelho foi enfático: “a irrigação, por conta do longo tempo previsto para que a pesquisa com transgênicos resulte em variedades comerciais estáveis”.
Jorge Donzeli, do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), apresentou no Workshop do CTBE as variedades de cana lançadas pela empresa nas últimas décadas e destacou que há muitas práticas agrícolas que poderiam melhorar substancialmente a produtividade atual do setor canavieiro, independentemente da necessidade de novas plantas. Para o pesquisador, além de práticas agronômicas inadequadas, o país está abaixo do potencial produtivo de suas variedades devido a má alocação de plantas em ambientes desfavoráveis ao material vegetal.
O pesquisador do CTBE Henrique Coutinho Junqueira Franco falou em sua palestra sobre a possibilidade de mudança na configuração do plantio da cultura de cana-de-açúcar, devido à criação de um novo maquinário agrícola de bitola larga (9m), chamado Estrutura de Tráfego Controlado (ETC). Os primeiros resultados dos estudos sobre redução do espaçamento de plantio da cultura mostraram incrementos de produtividade, em ambientes favoráveis ao crescimento vegetal, da ordem de 30%. Além disso, a mudança no sistema de plantio proporcionou uma redução de 10 toneladas na quantidade de mudas utilizadas durante essa etapa agronômica, o que contribui significativamente para a redução nos custos de produção. “O próximo passo é confirmar se os benefícios na redução do espaçamento e na melhor distribuição das plantas repercutem também nas soqueiras da cultura”, afirma Franco.
Foi apresentado ainda um estudo com raízes de cana-de-açúcar por Rafael Vasconcelos Ribeiro da Unicamp, que buscou avaliar a tolerância ao estresse hídrico de variedades comerciais de cana-de-açúcar. De acordo com o pesquisador, pouco se sabe sobre o comportamento fisiológico das raízes de cana, devido à dificuldade de acesso ao órgão e pelo escasso número de trabalhos publicados sobre o assunto. Os resultados preliminares do grupo de Ribeiro apontam que há diferenças genotípicas para o estresse hídrico e que as variedades mais tolerantes apresentam ferramentas fisiológicas e morfológicas para suportar o estresse.
O segundo dia de evento foi dedicado aos estudos de crescimento e desenvolvimento da cana-de-açúcar. Vários trabalhos abordaram os caminhos genéticos e as vias metabólicas que regulam o crescimento de biomassa em plantas de fotossíntese tipo C4, como a cana-de-açúcar. Renato Vicentini, pesquisador do CBMEG/UNICAMP mostrou resultados com experimentos de duas variedades de cana-de-açúcar contrastantes para acúmulo de sacarose em diferentes fotoperíodos e demonstrou que redes de interação gênicas são dinâmicas. Já Camila Caldana, pesquisadora do CTBE, apresentou estratégias para identificar metabólitos que possam ser utilizados como biomarcadores para cana-de-açúcar, com potencial de predição de biomassa. Também mostrou resultados sobre a via de sinalização do TOR, que controla o acúmulo de biomassa em todos os eucariotos e tem grande importância não apenas para manipulação em plantas de interesse para bioenergia, como também em culturas de alimentos como arroz.
Renomados pesquisadores internacionais participaram do segundo dia de evento, como Frederik Botha, do Sugar Research Australia, autor do mais completo livro a respeito da fisiologia da cana-de-açúcar. Thomas Brutnell, do Donald Danforth Plant Science Center; abordou a diferenciação fotossintética de plantas C4 utilizando genômica comparativa de dados de expressão gênica de plantas C3 e C4 e demonstrou que existem fatores regulatórios cis e trans que foram recrutados para a evolução da fotossíntese C4. Para caracterizar esses fatores a planta Setaria viridis está sendo utilizada como modelo para experimentos de transgenia.
Jens Kossman, da Universidade de Stellenbosch na Africa do Sul, apresentou vários experimentos com plantas transgênicas de cana-de-açúcar em que enzimas específicas (PFP, UDP-Glc-DH, ATPase vacuolar, etc) tiveram sua atividade reduzida, demonstrando os impactos no metabolismo de acúmulo de sacarose e outros carboidratos.