Verão e Nordeste tem tudo a ver, mas ao invés de mergulhar os pés nas águas quentes das praias em Pernambuco e Alagoas, os pesquisadores do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) foram gastar sola das botinas nas plantações de cana-de-açúcar e Cana-Energia dessa bela – e quente – região do Brasil.
Para identificar os gargalos e dificuldades enfrentadas pelos produtores e empresários do Nordeste, o CTBE partiu em uma viagem de mais de 2800 quilômetros entre 5 e 11 de fevereiro. Os profissionais visitaram as instalações da Usina Trapiche em Pernambuco, onde foram recebidos por Cauby P. de Figueiredo Filho e Francisco César Martins Cândido; na Estação Experimental BioVertis, subsidiária da GranBio, os especialistas do CTBE foram recebidos por José Bressiani, Tomaz Pereira e Sergio Godoy; na Usina Caeté e em sua coligada Bioflex (usina de Segunda Geração da GranBio), em São Miguel dos Campos, a 60 km de Maceió, o grupo foi guiado por Luiz Magno de Brito e Tomas Pereira.
Demandas de plantio e colheita
Com geografia declivosa, a mecanização de cana-de-açúcar no Nordeste pena para decolar. O Nordeste é responsável por 6,8% da produção nacional de cana, segundo dados da CONAB, “uma colheita feita quase que integralmente de maneira tradicional, ou seja, com queimadas e facão”, explica Henrique C. Junqueira Franco, coordenador da Divisão Agrícola do CTBE.
Declividade acentuada impede mecanização; trabalho do CTBE é mitigar problema (Divulgação/CTBE)
Jorge Mangolini, também da divisão Agrícola e responsável pelo Núcleo de Mecanização do CTBE, conta que 80% da área da Usina Trapiche é de encosta e tem declividade superior a 15%. “Eles precisam de soluções para driblar os problemas dos terrenos que são extremamente inclinados. A prioridade da Usina, neste momento, é com a mecanização da colheita” explica. “Nós podemos contribuir com isso porque essa é a nossa expertise”, continua Mangolini.
No caso da Usina Caeté a demanda foi por melhoramentos na plantadora/distribuidora de cana-de-açúcar desenvolvida por Edilson Maia, diretor da Agrocana. “Essa plantadora é uma máquina em estágio inicial, mas que já funciona. O que nós pretendemos fazer é que ela funcione melhor, opere com mais eficiência”, reforça o especialista do CTBE.
Plantadora desenvolvida por Edilson Maia receberá melhorias com novas pesquisas do CTBE (Divulgação/CTBE)
De posse das informações referentes aos principais problemas no âmbito da mecanização, Mangolini e a equipe de Mecanização da Divisão Agrícola começam se dedicar às pesquisas e às alternativas para atenuar os problemas, sobretudo no corte em terrenos declivosos, também chamado de encostas.
Palha deve queimar só na caldeira
Quando queimada na caldeira, a palha de cana é convertida em energia que alimenta a usina (vapor e eletricidade) e as redes de energia elétrica, um grande negócio em termos de energia limpa. O problema é quando a palha entra em combustão nos pátios, situação que não é exatamente trivial, mas que quando acontece causa prejuízos da ordem de milhões.
Essa situação foi tema de um workshop temático sobre Armazenamento de Palha que aconteceu durante a viagem, na Estação Experimental BioVertis. O encontro reuniu especialistas da DuPont, Raízen, CTC, CTBE e GranBio. “Sabemos que a palha vai acabar pegando fogo nos Centros de Distribuição. Nosso papel é mitigar os problemas e evitar queimadas maiores”, explica João Luís Nunes Carvalho, pesquisador do CTBE.
Os participantes do workshop debateram os riscos de se manter fardos armazenados em pátios, discutiram a distância mínima entre as pilhas de fardos para que, em caso de combustão de uma pirâmide de palha as chamas não atinjam as outras, e procuraram reforçar os procedimentos de segurança para evitar incêndios espontâneos e reduzir a infiltração de água nos fardos [problema que causa fermentação, elevando o risco de incêndio].
“Quando a água entra em contato com a palha em condições anaeróbicas (sem oxigênio) a decomposição gera metano e não CO2, e isso pode levar à combustão espontânea”, detalha Franco.
A palha é estocada a céu aberto, com os fardos empilhados e cobertos por lonas, formando grandes pirâmides de biomassa. Como não há alternativas viáveis para estocar essa palha – construir galpões cobertos é economicamente inviável – os pesquisadores vão trabalhar em conjunto na elaboração de um White Paper (documento oficial assinado por diversas organizações) focado em armazenamento de palha.
Ainda durante a visita no Centro de Distribuição de fardos da GranBio, Fabio Okuno, líder de Recolhimento de Palha do projeto SUCRE (Sugarcane Renewable Electricity), iniciativa cujo objetivo é aumentar a produção de eletricidade com baixa emissão de gases de efeito estufa (GEE) na indústria de cana-de-açúcar, por meio do uso da palha produzida durante a colheita, considerou satisfatória a metodologia de levantamento de impurezas minerais dos fardos adotadas pela usina. “A ideia é padronizar o método para podermos, no futuro, fazer análises comparativas dos dados do SUCRE com os da GranBio, buscando melhorias no processamento de fardos de palha de cana”, conta.
O especialista destaca também que muitos dos processos de recolhimento de palha utilizados pelas usinas deverão ser empregados no SUCRE. “Essa troca de informações permite aperfeiçoarmos processos e torna-los mais eficientes”, pontua Okuno.
Parcerias em diversas frentes
O Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol se envolveu em outras questões além da mecanização. Ainda em fase de diálogo, foram discutidas iniciativas que preveem a produção de açúcar de Cana-Energia. “A Cana-Energia, tal qual, não permite a cristalização de açúcar e nós já estamos fazendo estudos no sentido de tornar isso possível. Todas as usinas visitadas demonstraram interesse na obtenção de açúcar a partir dessa biomassa”, explica o especialista em Modelagem Industrial Paulo Mantelatto, que integra a Divisão de Inteligência de Processos do CTBE.
Já no âmbito do projeto SUCRE, o CTBE planeja uma parceria com a Usina Caeté. “Eles querem utilizar palha na geração de energia para as caldeiras”, explica Franco, coordenador da Divisão Agrícola.
Questionados sobre suas impressões a respeito da expedição a resposta dos pesquisadores do CTBE foi uma só: “essa viagem nos mostrou que há muito trabalho pela frente. Há mais motivos para voltar ao Nordeste do que apenas por suas belas praias”.
Sobre o CTBE
O Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O CTBE desenvolve pesquisa e inovação de nível internacional na área de biomassa voltada à produção de energia, em especial do etanol de segunda geração cana-de-açúcar. O Laboratório possui um ambiente singular no País para o escalonamento de tecnologias, visando a transferência de processos da bancada científica para o setor produtivo, no qual se destaca a Planta Piloto para Desenvolvimento de Processos (PPDP).
Sobre o Projeto SUCRE
O Projeto SUCRE (Sugarcane Renewable Electricity) tem como objetivo principal aumentar a produção de eletricidade com baixa emissão de gases de efeito estufa (GEE) na indústria de cana-de-açúcar, por meio do uso da palha produzida durante a colheita. A iniciativa é promovida pelo Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), que atuará junto a usinas parceiras – que utilizam palha na geração de eletricidade – para desenvolver soluções que elevem tal geração à plenitude da tecnologia disponível.
O projeto é financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente e gerido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ao todo, serão cinco anos de projeto e um investimento de cerca de US$ 67, 5 milhões, sendo US$ 55,8 milhões a parcela estimada de investimentos pelas usinas (grande parte já realizado com a instalação de estações de estações de limpeza a seco, reforma ou compra de caldeiras, turbogeradores, enfardadoras e outros equipamentos).
O objetivo principal do projeto é vencer os desafios tecnológicos no campo e na indústria de forma a possibilitar um maior aproveitamento da palha da cana-de-açúcar na co-geração de eletricidade. Para tanto, a equipe trabalha na identificação e na solução dos problemas que impedem as usinas parceiras de gerarem eletricidade de forma plena e sistemática.