Cana energia: uma nova biomassa com potencial para a produção de bioenergia

Tradicionalmente, os programas de melhoramento genético da cana-de-açúcar sempre priorizaram selecionar genótipos de cana-de-açúcar com elevado teor de açúcar; consequentemente, parte considerável dos genes que contribuem para aumentar o teor de fibras foram gradualmente eliminados das variedades comerciais (Creste et al. 2014). Além disso, nunca houve interesse em selecionar variedades de cana-de-açúcar com elevado teor de fibra, uma vez que dificultaria a extração industrial do caldo.

Mais recentemente, devido ao maior interesse do setor industrial em materiais genéticos com maior concentração de fibras para a produção bioeletricidade e etanol celulósico, a produção de cana energia começou a ser estudada e incentivada no Brasil. A cana energia é considerada uma boa alternativa para a produção de biomassa, pois, assim como a cana-de-açúcar, as condições climáticas brasileiras devem favorecer o seu desempenho produtivo, enquanto as usinas de cana-de-açúcar podem se adaptar ao processamento desta nova matéria prima.

Na última década, empresas de melhoramento genético iniciaram à seleção de genótipos de cana energia e começaram a comercializar estes materiais em empresas produtoras de bioenergia no Brasil. A vantagem em se produzir mais fibra em vez de açúcar é que as plantas tendem a ser mais vigorosas e rústicas, o que gera benefícios econômicos e ambientais. Apesar da carência de informações sobre a cultura, acredita-se que a cana energia tenha maior vigor do que a cana-de-açúcar, por possui maior número de alelos oriundos da espécie Saccharum spontanum em comparação com Saccharum officinarum, o que é usado como fonte de genes para resistência a doenças e vigor de brotação das soqueiras (Bischoff et al. 2008).

Os genótipos de cana energia tendem a se adaptar melhor a solos de baixa fertilidade, pois são menos exigentes em água e nutrientes, mais resistentes a pragas e doenças e apresentam maior capacidade competitiva contra plantas invasoras, resultando em maior eficiência em seu cultivo (Carvalho-Netto et al. 2014). Segundo Matsuoka et al. (2012), a cana energia, quando comparada à cana-de-açúcar, apresenta ainda maior longevidade e mantém a produtividade mais estável ao longo dos ciclos de cultivo, devido ao grande vigor da soqueira desse tipo de planta. Porém, apesar destes diversos benefícios relatados, os genótipos de cana energia ainda são recentes no mercado e consequentemente, são escassos os estudos comprovando os pros e contras do cultivo da cana energia no Brasil.

Na última década, o setor sucroenergético fez os primeiros testes com o cultivo da cana energia no Brasil e evidenciaram resultados promissores, mas também se depararam com a ausência de um pacote tecnológico para o cultivo e o uso industrial desta biomassa. Entende-se que a cana energia, apesar que ter uma semelhança genética com a cana-de-açúcar, deva ter um pacote tecnológico próprio para sua produção e processamento, o qual envolverá as principais práticas agrícolas e também as configurações industriais mais adequadas para a transformação desta biomassa em bioenergia.

Além da capacidade de produção de biomassa, o potencial de uso da cana energia para a produção de bioenergia e biocombustíveis depende da composição da matéria prima. A composição mineral e estrutural e o nível de umidade da biomassa vegetal influenciam a produção de energia, aumentado ou reduzindo a eficiência das instalações de conversão de biomassa (Tanger et al. 2013). Os níveis elevados de lignina são desejáveis para a produção de biocombustíveis, contudo altas concentrações de N, metais alcalinos e metais alcalinos terrosos e/ou de cinzas na biomassa podem reduzir a eficiência da conversão termoquímica do combustível, por causar incrustações, escórias e corrosão durante sua combustão (Shahandeh et al. 2011; Tröger et al. 2013). Do mesmo modo, elevados teores de umidade podem ocasionar a combustão incompleta do material, reduzindo a eficiência do processo (Tanger et al. 2013). Dessa forma, a caracterização química da matéria prima, cana energia, é de fundamental importância.

Apesar do potencial de uso da cana energia depender da composição da matéria prima e da extração de nutrientes, ainda são escassos os trabalhos na literatura  avaliando tais parâmetros em clones de cana energia especialmente no Brasil, até porque a seleção de genótipos de cana energia por programas de melhoramento no país é relativamente recente. Estas respostas serão importantes não só para os processos de conversão de energia (Sami et al. 2001), mas também para a sustentabilidade no longo prazo dos sistemas de cultivo (Somerville et al. 2010). Diante disso, o objetivo dos estudos de cana energia concentram-se na caracterização da partição de biomassa (folha seca, ponteiro e caule), na composição mineral da biomassa e na remoção de nutrientes por genótipos de cana energia, a fim de destacar genótipos promissores como fonte de biomassa vegetal.

Referências

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Carvalho-Netto O V, Bressiani JA, Soriano HL, et al (2014) The potential of the energy cane as the main biomass crop for the cellulosic industry. Chem Biol Technol Agric 1:20. doi: 10.1186/s40538-014-0020-2

Creste S, Pinto LR, Xavier MA (2014) The importance of the germplasm in developing agro-energetic profile sugarcane cultivars. 353–358.

Matsuoka S, Kennedy AJ, Santos EGD dos, et al (2014) Energy cane: Its concept, development, characteristics, and prospects. Adv Bot 2014:1–13. doi: 10.1155/2014/597275

Matsuoka S., Bressiani JA., Maccheroni W., Fouto I (2012) Bioenergia da Cana. In: Santos F., Borém A., Caldas C (eds) Cana-de-açúcar: Bioenergia, Açúcar e Álcool., 2nd edn. Universidade Federal de Viçosa, Voçosa, pp 487–517

Sami M, Annamalai K, Wooldridge M (2001) Co-firing of coal and biomass fuel blends. Prog Energy Combust Sci 27:171–214. doi: 10.1016/S0360-1285(00)00020-4

Shahandeh H, Chou C-Y, Hons FM, Hussey MA (2011) Nutrient Partitioning and Carbon and Nitrogen Mineralization of Switchgrass Plant Parts. Commun Soil Sci Plant Anal 42:599–615. doi: 10.1080/00103624.2011.546926

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Tanger P, Field JL, Jahn CE, et al (2013) Biomass for thermochemical conversion: targets and challenges. Front Plant Sci 4:1–20. doi: 10.3389/fpls.2013.00218

Tröger N, Richter D, Stahl R (2013) Effect of feedstock composition on product yields and energy recovery rates of fast pyrolysis products from different straw types. J Anal Appl Pyrolysis 100:158–165. doi: 10.1016/j.jaap.2012.12.012

Referências Bibliográficas Fundamentais

Sugarcane Underground Organs: Going Deep for Sustainable Production

Energy cane vs sugarcane: Watching the race in plant development

Biomass Production and Nutrient Removal of Energy Cane Genotypes in Northeastern Brazil