Rotas Bioquímicas para produção de biocombustíveis avançados
Diversas rotas tecnológicas de produção de biocombustíveis a partir de materiais lignocelulósicos se baseiam em processos bioquímicos, ou seja, processos de conversão que utilizam microrganismos ou enzimas como catalisadores.
Processos enzimáticos podem ser utilizados para o fracionamento e solubilização da biomassa lignocelulósica, como, por exemplo, na hidrólise enzimática das frações celulose e hemicelulose da biomassa, gerando açúcares simples, como a glicose e a xilose. Os açúcares presentes nesses hidrolisados podem, então, ser utilizados em processos fermentativos para produzir biocombustíveis considerados “avançados” ou de “segunda geração” em razão de sua origem lignocelulósica. Tipicamente, podem ser produzidos dessa forma os mesmos biocombustíveis tradicionalmente obtidos a partir de matérias primas açucaradas ou amiláceas como, por exemplo, o etanol e o butanol produzidos a partir do caldo da cana-de-açúcar ou do amido do milho, os quais por essa razão são considerados “convencionais” ou de “primeira geração”.
Os processos fermentativos mais empregados para a produção de biocombustíveis são a fermentação alcoólica, que utiliza leveduras do gênero Saccharomyces para produzir etanol a partir de alguns açúcares simples, e a fermentação butanólica, na qual bactérias do gênero Clostridium convertem açúcares simples em uma mistura de butanol, etanol e acetona. Tanto o etanol como o butanol são biocombustíveis aprovados em diversos países para uso automotivo, em substituição à gasolina. Também vale mencionar a digestão anaeróbia, processo no qual um consórcio de microrganismos é utilizado para converter uma grande diversidade de moléculas orgânicas (inclusive polimerizadas) em biogás. O biogás é uma mistura de metano e dióxido de carbono que pode ser utilizada diretamente como combustível em motores a explosão, ou purificada pela remoção do CO2 para gerar o biometano, substituto do gás natural.
Todos os processos bioquímicos mencionados acima se desenvolvem em condições anóxicas, ou seja, em ausência de oxigênio atmosférico. Na ausência de um agente oxidante forte como o oxigênio, é limitada a capacidade dos microrganismos de extrair energia química dos substratos presentes. Como resultado, uma grande parte da energia contida nos substratos continua presente nos produtos da fermentação. Por exemplo, na fermentação alcoólica, o etanol produzido ainda contém cerca de 92% da energia contida na glicose, embora possua aproximadamente a metade da massa original:
Como resultado, o biocombustível obtido contém mais energia por unidade de massa do que o material lignocelulósico de partida ou o carboidrato dele derivado. Esse efeito de “densificação energética” está presente em todos os processos fermentativos mencionados e decorre de uma redistribuição dos átomos de oxigênio contidos no substrato: a maior parte deles se concentra no CO2 produzido na fermentação, deixando, portanto, o outro produto com um conteúdo de oxigênio menor do que o do carboidrato utilizado como matéria-prima. Quanto menor for o conteúdo de oxigênio no biocombustível produzido, maior será seu poder calorífico.
Os processos enzimáticos ou microbianos referidos acima se desenvolvem em temperaturas de 30 a 50oC e em pressão atmosférica, condições muito mais brandas que as utilizadas nos processos termoquímicos de conversão de biomassa, como a pirólise ou a gaseificação. Em consequência, os reatores utilizados nas conversões bioquímicas industriais são tipicamente muito mais simples do que os reatores termoquímicos.
Entretanto, as conversões bioquímicas são mais lentas e se processam em soluções aquosas relativamente diluídas e, por isso, elas têm baixas produtividades volumétricas quando comparadas às conversões termoquímicas. Quando requerem ajuste do pH do meio fermentativo, os processos bioquímicos podem demandar quantidades importantes de ácidos ou de álcalis como insumos operacionais. O processamento em meio aquoso também acarreta um consumo relevante de energia térmica em operações de concentração das soluções de açúcares alimentadas aos biorreatores e/ou separação de produtos por destilação gerando, além disso, volumes importantes de efluentes aquosos (vinhaças) que podem requerer tratamento para remoção de sua carga orgânica antes de sua disposição final.
Em consequência, as biorrefinarias que produzem etanol de primeira geração (etanol 1G) possuem uma unidade de cogeração de calor e eletricidade dimensionada de forma a prover à planta a carga térmica demandada, podendo gerar excedentes exportáveis de eletricidade. Ao mesmo tempo, a vinhaça da destilaria pode ser encaminhada a uma unidade de digestão anaeróbia permitindo recuperar energia dessas correntes diluídas na forma de biogás.
Mundialmente, a produção de biocombustíveis avançados por via fermentativa é incipiente. Entretanto, volumes importantes de etanol são produzidos por processos bioquímicos de primeira geração, principalmente nos EUA (a partir do amido do milho) e no Brasil (a partir do caldo ou do melaço de cana-de-açúcar). No segundo caso, a produção de etanol de primeira geração (etanol 1G) é acompanhada da produção de grandes excedentes de resíduos lignocelulósicos na forma de bagaço e palha de cana, os quais poderiam, por exemplo, ser destinados à produção fermentativa de etanol de segunda geração (etanol 2G), no que seria então uma biorrefinaria de cana 1G2G. Alternativamente, parte dos resíduos lignocelulósicos pode ser destinada a processos de conversão termoquímica integrados à biorrefinaria 1G, ensejando oportunidades de aumento da eficiência energética de todo o processo.
Por fim, cabe ressaltar que as fermentações alcoólica e butanólica e também a obtenção de biometano a partir do biogás são processos que originam correntes de CO2 biogênico muito puras, as quais podem ser utilizadas em processos de sequestro geológico de carbono ou de produção de biocombustíveis sintéticos com utilização de hidrogênio eletrolítico (processos “Power-to-X”), gerando, em ambos os casos, reduções adicionais nas emissões de gases de efeito estufa.
Referências Bibliográficas Fundamentais